KILL LIST

Existe algo de estranho na composição de Kill List, uma nota dissonante que fica ecoando morbidamente em nossa cabeça após seu desfecho. Essa nota encontra-se em sua estranheza narrativa, em suas elipses, e em sua crueza visual, que culminam num hermetismo engenhosamente arquitetado onde a monotonia inicial transforma-se num crescente de horror e brutalidade.

O diretor inglês Ben Wheatley não tem pressa na construção da trama, investindo de forma pouco convencional na apresentação do mote central. Apesar de a atmosfera tensa indicar a todo instante que algo de muito ruim irá ocorrer, interferindo e esfacelando a vida aparentemente medíocre das personagens, é difícil antecipar os passos da história. O roteiro dá margem para o improviso dos atores enquanto investe no drama cotidiano de um lar prestes a ruir. A improvisação é nítida em algumas situações, provocando uma química tensa e funcional entre os atores, algo que o aproxima estranhamente do cinema de Mike Leigh.

Desempregado e com as finanças no vermelho, Jay (Neil Maskell) vive em conflito com a esposa Shel (MyAnna Buring), sob os olhos apreensivos do pequeno filho do casal. Quando o amigo Sam (Harry Simpson) aparece para jantar, trazendo consigo uma garota estranha e a proposta de um novo trabalho, a normalidade começa a dar lugar ao estranhamento. Jay não é apenas um simples pai de família com dificuldades financeiras, mas também um matador de aluguel repleto de demônios interiores. Ao aceitar o novo serviço, recebe de um contratante misterioso uma lista contendo três nomes para serem eliminados. A tarefa, planejada para ser simples e limpa, acaba tomando um rumo bizarro e brutal quando Jay e Sam se vêem enredados com uma seita pagã repleta de intenções enigmáticas. Uma seqüência específica envolvendo um martelo e uma cabeça esmigalhada demonstra como a situação foge completamente de controle.

Quando o paganismo surge em cena, justificando uma simbologia que a princípio nos é apresentada de forma vaga e aleatória nas entrelinhas da narrativa, Kill List se aproxima de um tema tradicional no horror clássico inglês, que já nos concedeu pérolas como O Homem de Palha (1973), de Robin Hardy e The Witches (1966), de Cyril Frankel. Enquanto O Homem de Palha é a referência cinematográfica mais pulsante, também é notável as semelhanças, em essência, não em estrutura, com o conto O Monarca do Vale, de Neil Gaiman, contido no primeiro volume de Coisas Frágeis. O diretor Ben Wheatley negou-se a mastigar para o público suas intenções, exigindo um certo nível de conhecimento intertextual para a apreciação de seu desfecho. O cinema inglês foi pródigo em utilizar seitas pagãs como representação de um mal secular que permanece enraizado de forma silenciosa no coração da sociedade, afrontando com seus rituais a racionalidade do mundo moderno, e principalmente os valores impostos pela cristandade. Alguns poderão acusar a seqüência final de ser um confuso artifício com a simples intenção de chocar, e muitos irão fazer associações diretas com o controverso A Serbian Film , porém seu desfecho, amparado na simbologia e na crueldade dos  mitos pagãos, está longe da gratuidade, e pode mais incomodar do que instigar os adeptos do horror fácil, e talvez seja esse hermetismo que o torne tão perturbador e fascinante.

3 Comentários

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3 Respostas para “KILL LIST

  1. Fiquei com vontade imensa de conferir esse filme agora 🙂

  2. Muit bom!
    Mas como já lhe falei , acho que poucos vão “absorver” esse filme…

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